
"R$ 240 por cabeça por favor". Foto: https://www.flickr.com/photos/anaperugini/
Sindicatos estão cobrando um valor por cabeça ou um percentual da folha de pagamentos para dar aval aos acordos entre funcionários e patrões aderir ao programa do governo federal que permite redução de salário e jornada e suspensão de contratos, parte da resposta à pandemia do coronavírus.
De acordo com a Folha de São Paulo, empresas e associações patronais relataram terem recebido pedidos de R$ 240 por funcionário, R$ 500 por empresa e de percentuais da folha de pagamento entre 4% e 8%.
A Medida Provisória 936, publicada no dia 1o de abril, autorizou que empresas reduzissem em 25%, 50% e 70% a jornada de trabalho e o salário do trabalhador por dois meses.
Para quem for afetado, o governo pagará um auxílio proporcional a jornada cortada com base no seguro-desemprego.
De acordo com dados do Ministério da Economia divulgados pela Veja, mais de 1 milhão de empregados já tiveram seus contratos suspensos e parte dos vencimentos assumida pelo governo federal.
As entidades patronais que falaram com a Folha sobre a prática foram a Abrasel, que representa bares e restaurantes, e a Alshop, associação dos lojistas de shoppings. As entidades não disseram que sindicatos estão fazendo as cobranças.
Em Santa Catarina, o sindicato que representa os funcionários de hotéis, restaurantes, bares e na rede de hospedagem de Florianópolis e dos municípios do entorno, o Sitratuh, falou abertamente sobre o assunto com a Folha.
O advogado Fernando Fávere, assessor jurídico da entidade, defende a cobrança, que varia de R$ 20 a R$ 100 por acordo; o valor muda de acordo com o tamanho da empresa.
“Nós temos que analisar acordo por acordo, não é simplesmente carimbar papel. Já liberamos 400 e ainda temos 300, então todo mundo está fazendo horas extras. É uma operação que tem um custo para o sindicato”, afirmou o advogado para a Folha.
Entidades ouvidas pela Folha disseram que a decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, que em liminar na semana ada definiu que os acordos individuais terão validade somente após manifestação do sindicato dos trabalhadores, estimulou a exigência por parte dos sindicatos.
Na segunda-feira, 13, em nova decisão, Lewandowski diz que as negociações individuais de empresas têm efeito imediato, independentemente de posterior manifestação sindical.
Especialistas em direito trabalhista ouvidos pela Folha apontam que a cobrança é ilegal e que os sindicatos não deveriam cobrar por serviços que são próprios às suas funções. A cobrança seria também um estímulo para que as empresas simplesmente demitam, o que em tese é contraproducente para os sindicatos.
As seis centrais sindicais orientaram os sindicatos associados a não fazer qualquer cobrança no momento.
Em nota conjunta, CUT (Central Única dos Trabalhadores), Força Sindicial, CSB (Confederação dos Sindicatos do Brasil), UGT (União Geral dos Trabalhadores), CTB (Confederação dos Trabalhadores do Brasil) e NCST (Nova Central) disseram considerar a cobrança criminosa e que sindicatos serão denunciados ao MPT (Ministério Público do Trabalho) caso insistam na prática.
O "pedágio" para aderir ao programa do governo é mais um capítulo da luta do sistema sindical brasileiro por receitas, iniciado em 2018 com a decisão do governo Michel Temer (PMDB) de acabar com o imposto sindical.
Com as novas regras, ou a ser necessário o consentimento prévio dos funcionários para o pagamento da contribuição sindical, equivalente ao valor de um dia de trabalho por ano.
A contribuição, que em 2017 arrecadou R$ 2,2 bilhões, é a principal fonte de financiamento do sindicalismo brasileiro, pelo lado dos funcionários. Existem 16,6 mil sindicatos no Brasil, muitos fundados com o intuito de conseguir uma fatia do bolo.