
Sócios do Gupy. Foto: Gupy/Divulgação
A Gupy, uma das startups mais bem sucedidas do Brasil no nicho de RH, parece estar atravessando uma crise de imagem séria, com direito a usuários pedindo boicote da empresa em posts virais no LinkedIn.
O post em questão, publicado há uma semana, recebeu 20 mil reações de usuários, 1,5 mil comentários e foi compartilhado 600 vezes.
O texto, publicado por Rafael da Silva, um profissional da área comercial no momento em busca de recolocação, marca alguns dos principais clientes da Gupy (Ambev, Santander e Itaú, entre outros).
“É urgente que essas empresas estejam cientes dos milhares de relatos de pessoas que estão sofrendo com depressão e baixa autoestima devido a essa plataforma desumanizada que trata cada trabalhador com total descaso”, acusa Silva.
Dias depois, em um post com menos repercussão (1,1 mil reações), Silva anunciou que estava excluindo seu perfil da Gupy e incentiva outras pessoas a fazer o mesmo.
Na quinta-feira, 30 de maio, a CEO da Gupy, Mariana Dias fez uma postagem no LinkenIn, reagindo ao que chamou de “intensificação das movimentações” sobre a empresa na rede social corporativa.
No texto, Dias adota uma linha de defesa sincera, afirmando que a Gupy é só um ATS, sigla em inglês para sistema de rastreamento de candidatos, um tipo de tecnologia usado para gerenciar processos seletivos cujas raízes estão nos anos 70.
“O software de recrutamento da Gupy é um "ATS". Uma sigla em inglês que se você pesquisar no Google vai entender que é uma categoria de plataforma para RH que existe há muitos anos no Brasil e outros países”, resume Dias.
A resposta rompe alguns dos princípios do marketing de empresas de tecnologia, que evitam a todo o custo ser identificadas com termos já estabelecidos (existem dezenas de empresas de ATS por aí) e buscam normalmente se posicionar como fornecedores de tecnologias da moda, como Inteligência Artificial.
No caso da Gupy, o tiro parece ter saído pela culatra, e muitos candidatos em busca de emprego aram a acreditar que são prejudicados pela IA da Gupy e que teriam mais chances de sucesso em um processo seletivo “à moda antiga”.
Na explicação de Dias, a “IA” da Gupy se limita a fazer uma classificação inicial de currículos, ordenando candidatos com bases nos “critérios essenciais” definidos por quem está fazendo a seleção, sem eliminar candidatos.
De acordo com a CEO, eliminações automáticas, do tipo que os usuários se queixam de estar sofrendo, só acontecem em casos específicos, como não ter carteira de motorista, numa vaga que exige habilitação.
“Em todas as outras etapas não existe IA da Gupy. Sim, é só isso, gente. Pois é. Tantas afirmações aqui nessa rede falando que a Gupy reprova, ou elimina candidato, ou contrata de forma injusta, isso não existe, pois novamente somos o ATS, quem faz a seleção são as empresas”, resume Dias.
Talvez boa parte do problema esteja no uso do termo inteligência artificial, um chavão da moda que transmite uma ideia de grande sofisticação tecnológica (certamente o efeito que as empresas de tecnologia querem) no contexto de uma atividade operacional como classificar currículos.
Não dá para dizer que a Gupy esteja sendo pega de surpresa pela insatisfação dos usuários da plataforma. Ainda no começo do ano, a HRTech publicou um manifesto de 24 pontos, prometendo melhorias no processo de seleção.
O chamado “Manifesto da Experiência da Pessoa Candidata” é dividido em promessas relativas ao processo de candidatura, seleção e para os envolvidos.
Uma das promessas mais chamativas é garantir uma satisfação acima de 90% dos candidatos durante a resolução de pedidos de e.
É preciso manter em mente o tamanho do público usuário da tecnologia da Gupy. No seu post, Dias menciona que 46 milhões de pessoas estão cadastradas na plataforma, usada por 3 mil empresas.
No final das contas, os problemas da Gupy parecem ser oriundos do seu próprio sucesso. É difícil prever quais serão as consequências daqui para frente.
Parece difícil de acreditar que um número suficiente de usuários deixe de usar a plataforma a ponto de tornar ela menos atrativa para os empregadores, que são quem paga a conta no final.
As empresas, por outro lado, não tem porque se abalar muito pela frustração dos candidatos, e, em alguma medida, até são beneficiadas pelo fato da Gupy ser a destinatária do mau humor dos reprovados no processo.
Um papel desconfortável para uma empresa de tecnologia, um segmento no qual um dos clichês definitivos é “queremos mudar o mundo para melhor”.