
Área industrial no coração de Porto Alegre pode guardar o futuro da capital. Foto: Google Maps.
Até abril de 2019 deve abrir as portas em Porto Alegre o Instituto Caldeira, um espaço na área central de Porto Alegre que vai reunir startups, as principais universidades e as maiores empresas do estado.
Nas últimas semanas, a reportagem do Baguete esteve conversando com alguns dos envolvidos no que parece ser um salto qualidade para o cenário de inovação gaúcho, intimamente ligado com a movimentação do Pacto Alegre.
Tudo começou há mais ou menos dois anos, quando um grupo de empresários liderado por Marciano Testa, presidente do Agibank, fez uma aproximação visando criar um projeto do tipo dentro do novo Cais do Porto da capital gaúcha.
O projeto de renovação do Cais do Porto parece estar começando a caminhar, depois de quase décadas de idas e vindas, mas tem uma estrutura de governança complicada (para usar um eufemismo) e o projeto não evoluiu.
Mais ou menos na mesma época, Frederico Renner, um dos criadores do AnLab, um espaço de coworking sediado na capital, estava tentando emplacar junto à família Renner um novo projeto para a área do DC Navegantes.
“Eu tinha a ideia de fazer no DC um espaço para empresas inovadoras como os que se vê em São Francisco, um hub, uma referência para a cidade. Mas é algo que sozinho não dá para fazer”, resume Renner.
Testa embarcou no projeto e começou uma aproximação com outras grandes empresas gaúchas, todas hoje em dia mais ou menos envolvidas com o problema de inovar suas operações com mais velocidade.
“Existe um grande desafio em torno do tema de transformação digital. Isso exige uma mudança de mindset grande, não é algo tão fácil para uma empresa resolver sozinha”, explica Testa.
A primeira fase do Instituto Caldeira compreende uma área de quase 10 mil metros quadrados, ocupada até recentemente por um call center da Contax focado no atendimento da NET.
Como outros players do mercado de center, a Contax tem investido em automatização do atendimento e transferido posições para o nordeste do país, deixando o espaço vazio.
A Contax já fez uma grande reforma no local, no qual funcionava uma tecelagem das Lojas Renner, antes da inauguração do seu call center, em 2009, de tal forma que será fácil a transformação em um espaço para empresas e startups.
Ainda estão disponíveis outros 40 mil metros, espalhados pelo shopping DC Navegantes, um empreendimento criado nos anos 90 que não chegou a decolar, e uma outra parte da antiga fábrica da Renner. É nela que fica a caldeira que dá nome ao instituto.
Tanto Renner quanto Testa fazem segredo sobre quem são as empresas que embarcaram na iniciativa até agora, mas recentemente o jornal Zero Hora, cuja controladora RBS é parte da movimentação, citou nomes como Lojas Renner, Panvel e o Banco Topázio, do empresário Ernesto Correa da Silva, dono também da rede de hotéis Intercity e da rede de caixas multiuso Saque e Pague.
As empresas são um dos pilares da movimentação. Elas devem trazer para dentro do Instituto Caldeira seus programas de inovação aberta e de seleção de startups, além de uma parte das suas próprias áreas de pesquisa e desenvolvimento.
Algumas dessas empresas comprometeram capital na formação do Instituto, outras pagarão aluguéis, dos quais uma parte será revertida para a gestão do empreendimento. Outra fonte de receita virá do uso do espaço para todo tipo de eventos.
A Startse, misto de aceleradora, portal de conteúdo e promotora de eventos sobre o tema de empreendedorismo e inovação, já é uma parceira confirmada da iniciativa.
A governança será feita por um conselho deliberativo, no qual terão assento os investidores, com apoio de um conselho consultivo, no qual terá assento uma representação ainda não definida das universidades, entidades empresariais e poder público.
Frederico Renner, bisneto de um dos fundadores da Lojas Renner, com agem por negócios da família como o Banco Renner, vem agindo como CEO informal da iniciativa, que ainda terá um corpo diretivo profissional estruturado no ano que vem.
Porto Alegre já foi pioneira no país em matéria de arranjos voltados para atração de empresas inovadoras, dos cases no país é o Tecnopuc, parque tecnológico da PUC-RS, construído pela universidade área de um antigo quartel da cidade a partir da virada dos anos 2000.
O Tecnopuc conta com mais de 150 empresas instaladas, incluindo nomes como Globo.com, Petrobras e Microsoft. São cerca de 6,5 mil pessoas trabalhando no local, que já há alguns anos sinaliza ter chegado no limite de espaço disponível para novos empreendimentos.
“O Instituto Caldeira é uma iniciativa que pode colocar Porto Alegre em outro nível. É excelente que investidores privados se interessem por esse tema”, resume Jorge Audy, assessor de Ciência, Tecnologia e Inovação da reitoria da PUC-RS.
De acordo com Audy, a PUC-RS construiu ela mesma os prédios do Tecnopuc porque “precisava ser feito”, mas o novo cenário é mais promissor porque separa a “dimensão imobiliária da dimensão de inovação”.
Enquanto um parque tecnológico é um universo mais ou menos fechado, um empreendimento como o Instituto Caldeira pode ter maiores reverberações, com consequências benéficas para toda uma área hoje subutilizada da cidade.
Era isso o que estava na mente de PUC-RS, Unisinos e UFRGS, todas donas de iniciativas de parques tecnológicos, ao fundar a Aliança para Inovação no começo do ano, chamando o consultor espanhol Josep Piqué para ser a cara pública da iniciativa, que aumentou a abrangência recentemente, com a criação do Pacto Alegre.
De acordo com informações do Jornal do Comércio, Agibank, RBS e Sicredi já colocaram R$ 540 mil na contratação de Piqué (vale notar que Agibank e RBS também estão envolvidos no Caldeira).
Piqué, até recentemente Presidente da Associação Internacional de Parques Científicos e Áreas de Inovação (IASP), é um especialista quando o assunto é sacudir cidades por meio de projetos desse tipo.
Ele foi um idealizadores do Barcelona @22, um projeto de revitalização de uma área industrial dentro da cidade espanhola não muito diferente da região onde ficará o Instituto Caldeira, o que o tornou uma autoridade mundialmente reconhecida no assunto.
Desde 2000, quando iniciou, o projeto já conseguiu atrair 4,5 mil empresas, das quais a metade são startups. A lista de grandes empresas inclui Microsoft, Sanofi-Aventis, Groupalia, Capgemini, Schneider Electric e Indra.
O Quarto Distrito, onde ficará o Instituto Caldeira, é uma área de 800 hectares distribuídos em um retângulo entre a rodoviária e a avenida Sertório, limitada nas suas extremidades pela avenida Farrapos e a linha do Trensurb.
A área está em decadência desde os anos 70, quando a base econômica de Porto Alegre começou a se voltar para serviços e a indústria abandonou a cidade em busca de espaços mais baratos na região metropolitana e além.
Hoje a região abriga muitos grandes galpões industriais abandonados, além de áreas problemáticas de baixo meretrício e tráfico de drogas
Em 2015, autoridades de Porto Alegre incluindo o então prefeito José Fortunati conheceram 22@Barcelona, em uma missão organizada pela PUC-RS.
A visita acelerou os planos do Quarto Distrito, com aprovação de um regime fiscal especial para quem transferisse sua operação para lá. Desde 2016, no entanto, o tema começou a sair da pauta, desaparecendo totalmente com o agravamento de uma crise fiscal em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul.
Transformar o Quarto Distrito é mais do que uma boa causa para as grandes universidades e empresas gaúchas.
Deter a chamada “fuga de cérebros” tem sido uma constante nas manifestações públicas desde que Unisinos, PUC-RS e UFRGS anunciaram a sua aliança no começo do ano, discurso que foi reforçado quando as empresas embarcaram publicamente na iniciativa.
A motivação é simples. As universidades sediadas em Porto Alegre estão perdendo a capacidade de atrair os melhores estudantes para os seus programas de pós-graduação, e as empresas a possibilidade de contratar bons profissionais, ou comprar as startups que eles fundam.
Só o Agibank, por exemplo, tem dezenas de vagas abertas no momento para profissionais de tecnologia trabalharem no desenvolvimento de uma plataforma de banco digital.
O tipo de área urbana vibrante que o Quarto Distrito poderia se converter é um imã para o tipo de jovem profissional altamente qualificado e empreendedores que hoje em dia estão abandonando Porto Alegre por oportunidades no exterior ou outras cidades brasileiras.
“Precisamos fazer um resgate de Porto Alegre, pensando nos próximos 20 ou 30 anos”, afirma Testa. “É hora de pensar diferente, senão eu não sei o que vai ser da cidade”, agrega Audy.
Se bem sucedida, uma iniciativa como o Instituto Caldeira pode significar alguns milhares de profissionais circulando em uma área que já vem despontando nos últimos anos como um cenário para atividades culturais e noturnas da capital.
“A ideia é criar algo com vida própria, que possa atrair também outros investimentos, como restaurantes, imóveis construídos pensando nesse público e assim por diante”, projeta Renner.