
Rodolfo Cardenuto, presidente da SAP Americas.
A SAP, empresa que já foi a própria imagem do software empresarial sisudo, caro e para grandes clientes, é agora uma companhia de serviços baseados em computação na nuvem.
A diretriz estratégica de enfatizar a definição “cloud company” veio da alta gestão há duas semanas e está sendo comunicada com todas as letras durante o SAP Americas Partner Summit, que começou em Miami nesta segunda-feira, 29.
“Na verdade, já somos a empresa líder em oferecer cloud computing, com 30 milhões de usuários”, disse durante a abertura do evento Robert Enslin, presidente de vendas e um dos integrantes do board mundial da SAP.
Proclamar-se líder em cloud computing tem se tornado uma ocorrência comum – na semana ada, a Microsoft disse a mesma coisa – mas a verdade é que as afirmações da SAP são o produto final de estratégia consistente de migração de modelo de negócio baseada na tecnologia de processamento em memória Hana.
Nos últimos anos, todo o portfólio da empresa foi adaptado para rodar na nova plataforma, indo desde aplicações de CRM, supply chain e RH, até os softwares de gestão empresarial mais pesados da linha Business Suite, ando por uma linha de soluções de terceiros em ampliação.
A afirmação de que a multinacional alemã é uma potência em cloud computing, no entanto, tem mais origem nas bases de usuários de empresas adquiridas recentemente do que nas soluções “Made in SAP”, por dizer de alguma forma.
Só a Success Factors, companhia de gestão de RH na nuvem adquirida pela SAP em março do ano ado por US$ 3,4 bilhões, tem dois terços da base de clientes citada por Enslin. O resto fica com outras compras ainda mais caras como a portal de e-procurement Ariba, adquirido por US$ 4,3 bilhões um mês mais tarde.
A movimentação dos produtos “da casa” está começando, no entanto. Desde janeiro, 288 clientes já optaram para levar seus softwares Business Suite para a nuvem rodando em Hana. Dado o grau de complexidade desse tipo de sistemas, cada um deles pode equivaler a milhares de empresas usuárias da Sucess Factors em receita.
A SAP também está promovendo mudanças internas para estimular o novo modelo de negócio.
As vendas de software na nuvem são multiplicadas por 2,5 vezes no cálculo das metas e empresa anunciou a possibilidade dos clientes embutirem o custo da manutenção como desconto das mensalidades dos serviços cloud.
Se em um primeiro momento as mudanças parecem significar canibalização de receitas no modelo tradicional, no longo prazo significam a própria sobrevivência da companhia no mercado, acredita Felix Federsen, VP sênior de serviços da SAP Américas.
“A Kodak foi a primeira empresa a inventar uma câmera digital, mas não foi a frente por medo de por em risco o negócio de filmes. Não dá para negar o inevitável e cometer o mesmo erro”, exemplifica Federsen.
Da porta para fora, as mudanças em curso na SAP significam o fim de uma era na qual uma empresa “ERP-cêntrica” vendia produtos para CIOs preocupados com uma série de aspectos técnicos.
“Cada vez mais, os responsáveis de outros departamentos como logística, recursos humanos e compras tomam decisões sobre aquisição de tecnologia”, afirma o presidente da SAP Américas, o brasileiro Rodolfo Cardenuto.
Para esse novo comprador, acredita Cardenuto, a tecnologia em si é um assunto irrelevante, tendo muito mais peso as funcionalidades disponíveis e a possibilidade de aquirir software que é um custo operacional e não de capital.
A mudança em curso na SAP vai mais longe do que isso: aram a ser alvos da empresa públicos totalmente novos, como os usuários final pessoa física, não corporativo.
“Nossa campanha mais bem sucedida dizia basicamente 'Grande empresa roda em SAP'. Estamos mudando o foco, falando mais dos benefícios que o usuário na ponta obtém, das pessoas”, detalha o CMO da SAP, Jonathan Becher.
Além da mudança no discurso, a busca pelo usuário final se dá através das 500 startups que de acordo com a SAP estão projetando apps baseados na plataforma Hana e por iniciativas como o NBA Stats, através da qual a liga de basquete americana disponibiliza aos torcedores funcionalidades analíticas avançadas sobre o desempenho de jogadores e equipe.
Uma piada do pessoal das antigas em informática reza que a sigla SAP é um acrônimo para Sistema Alemão de Planilhas.
Apesar de apócrifa*, a brincadeira servia para amenizar de alguma maneira o esforço épico envolvido em implementar uma solução complexa, na qual todos os processos de uma empresa rodam em algum mainframe IBM.
Muitos dos profissionais que implementaram o pioneiro R/3 no começo dos anos 90 podem muito bem ver a SAP se remodelar ao mesmo tempo em que reinventa o mundo do software empresarial. Coisas mais difíceis já aconteceram na área de TI.
* SAP é a sigla para Systeme, Anwendungen und Produkte in der Datenverarbeitung, ou Sistemas, aplicações e produtos para processamento de dados.
Maurício Renner cobre o SAP Americas Partner Summit em Miami à convite da SAP.