
Isabela Castilho (Foto: Divulgação/ Rocketseat)
Escolhi o mês em que se comemora o Dia das Mães para compartilhar como foi a minha entrada na tecnologia e como a maternidade foi um propulsor para a minha carreira. Quando minha filha, Antônia, nasceu, eu tinha 23 anos. O nascimento dela foi um marco que me fez planejar uma guinada na minha atuação profissional. Até aí, já tinha trabalhado em diversas atividades, mas não na TI: já fui vendedora em loja de plantas, na área istrativa de uma prefeitura, com eventos. Hoje, aos 33 anos, completei um ano como CEO da Rocketseat.
A maternidade é um fator decisivo na carreira de qualquer mulher. Se você está tentando se colocar no mercado de trabalho enquanto mãe ou já está numa posição de ascensão em uma organização e tem planos de maternidade, são momentos com pesos diferentes, que influenciam em muitas carreiras. Para mim, ser mãe foi justamente o que me deu motivação para procurar uma carreira que me desse um futuro que eu pudesse criar a minha filha do jeito que sonhei.
Trajetórias como a minha não são consideradas comuns, mesmo quando analisamos um mercado que oferece um grande volume de oportunidades, como é o de TI, e reconhecemos pontos importantes como salário inicial e os potenciais trazidos pela Inteligência Artificial (IA) nesse ambiente. A tecnologia ainda não é vista por grande parte do público feminino como uma opção, o levantamento Women in Technology, feito em 2021, nos confirma essa noção. No Brasil, menos de 20% dos cargos da área são ocupados por mulheres atualmente. Apesar desse indicador ter melhorado em torno de 2,1% em 2023, segundo a Catho, é um patamar até abaixo da América Latina, com 30%. Nos Estados Unidos, o indicador chega a 60%.
O padrão se repete quando o assunto é liderança. Segundo o Startups Report Brasil, divulgado pelo Observatório Sebrae Startups, o número de mulheres à frente de negócios inovadores ainda é pequeno. Dos 14.089 líderes no quadro societário das empresas atendidas pelo Sebrae nacionalmente, as pessoas do gênero feminino que lideram são apenas 3.302 (23,44%).
E para transformar este cenário em oportunidade, eu gostaria de compartilhar alguns caminhos que me levaram de uma posição de fora do mercado de tecnologia à liderança máxima. Como a maternidade fez parte e foi o impulso para isso.
O primeiro deles foi encontrar o meu propósito. Parece clichê dizer isso. Mas não é. E sua importância é explicada pela neurociência, que afirma que existem dois tipos de “perfis” de decisões. Um deles é impulsionado pela serotonina e cortisol, guiado pela emoção e intuição. Então, você provavelmente se apega a coisas como conforto, família, confiança, validação social. E do outro lado, temos stress, ansiedade, medo.
No outro, o protagonista é a dopamina, que lida com o humor, a sensação de satisfação e felicidade, no qual percebemos as sensações de emoção, descoberta, novidade, contrastando com o tédio, a mesmice, a acomodação. Algumas pessoas podem se considerar mais emocionais, outras mais lógicas, mas isso tudo acontece de forma conectada, como se os dois perfis se ajudassem nesse momento da escolha.
Mas se você entende qual o seu propósito, o caminho fica mais claro. E para mim, um motivo concreto, que não me deixava desistir, foi a maternidade. Foi justamente o que me deu motivação para procurar uma carreira que me desse um futuro que eu pudesse criar a minha filha do jeito que sonhei. Isso é um sentimento muito forte. Então, essa decisão foi muito importante.
O segundo o é conhecer o mercado. Quando eu decidi ir atrás dessa carreira, eu me vi sozinha. Não de pessoas na minha vida. Mas eles não entendiam nada de programação ou do mercado de trabalho. Então eu tive que parar e fazer a minha parte. Pesquisei as melhores linguagens de programação para aprender, entendi qual delas era a mais buscada por empresa. Me matriculei em um curso que ensinava Java, uma das linguagens mais antigas e mais utilizadas. E, depois de um tempo, conquistei meu primeiro emprego como programadora.
Esse emprego me marcou muito. Não só por ser meu primeiro trabalho como programadora, ter aquela sensação de ‘ok, realmente eu sou uma profissional dessa área’. Mas também porque tive uma oportunidade que muita gente antes de mim não teve: a minha liderança na área de tecnologia era uma mulher. Quando eu vi ela, sendo uma referência para o time, para outras pessoas da empresa, foi nesse momento que mais uma chave virou dentro da minha cabeça.
Essa noção de que existiam espaços que eu poderia ocupar e me permitir almejar eles foi essencial na minha jornada a partir daquele momento. Então, enquanto eu estava nesse meu primeiro emprego trabalhando com Java, eu também fui percebendo outras movimentações do mercado, como BlockChain, por exemplo. Ao mesmo tempo, JavaScript também estava numa crescente de oportunidade.
Depois chega o momento em que você deve escolher o seu lugar. E foi assim, neste movimento, que eu encontrei a comunidade da Rocketseat. Ela não era tão grande como é hoje, com mais de 200 mil desenvolvedores (devs) conectados, mas já tinha o potencial de ser impactante na vida de muitos devs. Foi o meu caso e de outros milhares de programadores e programadoras. E eu fui buscando maneiras de continuar evoluindo, e isso incluiu muitos sacrifícios e muito esforço. O horário que eu tinha para estudar era o tempo em que minha filha estava dormindo.
Meu dia era dividido entre trabalhar, cuidar da minha filha e estudar. E enquanto eu evoluía, também buscava novos desafios. Até que estive no final de dois processos seletivos: a Rocketseat, uma startup, e outra empresa maior, estabelecida como Dev Front-end para trabalhar com React. Na primeira, eu seria contratada para fazer multiplicação de conteúdos, cortes de vídeos, post nas redes sociais. Não era uma vaga para trabalhar como desenvolvedora como na outra empresa. E o salário também era menor.
Hoje, olhando de fora, se você não soubesse que eu sou CEO da Rocketseat, talvez você tivesse me aconselhado a tomar outra decisão. Um salário melhor, na vaga que eu mais me encaixava… mas de alguma forma aquilo não me cativou. Optei pela startup, pela oportunidade de ir crescendo com a empresa. Sendo que em uma organização maior, não teria tanta facilidade. Além disso, havia a possibilidade do trabalho remoto. Eu poderia ter mais controle do meu dia, estar em casa, cuidando da minha filha. E ia ter tempo para continuar estudando. Isso aconteceu há cinco ou seis anos. O cenário do trabalho era muito diferente. Não oferecia muitas oportunidades como essa.
E chegamos a um quarto o do início desta jornada, que eu considero ser aquele em que se desenvolve o que chamo de uma “mentalidade expansiva” para crescer.
É importante entender que relações profissionais vão muito além do networking. Compreender o negócio, dos processos que outros profissionais encaram, como a operação dentro da empresa acontece. Isso tudo é muito valioso para quem está inserido naquele contexto. É algo que vai destacar o profissional. Mostra que há capacidade de se adaptar, de fazer conexões e de enxergar as coisas mais longe.
Mas é importante entender como fazer isso sem perder o foco. Se você é uma programadora que quer crescer “codando”, você precisa se manter atualizada. Esse é talvez o melhor jeito de se fazer necessária em uma empresa atualmente. Porque um desenvolvedor qualquer que vai resolver um problema do jeito que der… disso aí o mercado está cheio. Então é necessário saber das atualizações mais recentes, como a IA pode ajudar no trabalho, seja direto no código ou na produtividade. Atentar-se ao que faz sentido tecnicamente para empresa. Ser vista como a especialista daquele contexto.
Uma metodologia que colabora é encarar o seu desenvolvimento profissional desta forma: 70% dedicados ao estudo da técnica, 20% ao networking, e 10% à marca pessoal, àquilo que vai lhe destacar nesse mar de programadores que existe hoje. Tudo isso com foco no seu objetivo final, entendido no primeiro o dessa trajetória.
Isabela Castilho é CEO da escola de programação e desenvolvimento profissional Rocketseat