
Coitado do bonequinho. Foto: divulgação.
"Os carros feitos no Brasil são mortais". Sem papas na língua, uma matéria publicada pelo New York Times falou sobre os alarmantes números da violência no trânsito brasileiro, e chamou a atenção para o papel dos carros nacionais neste processo.
Segundo o jornal, a chegada de cerca de dez mil novos carros às ruas diariamente está se moldando como uma tragédia nacional, com milhares de brasileiros morrendo em acidentes que não precisariam ser fatais, caso os carros não fossem de baixa qualidade.
"Os culpados são os próprios carros, produzidos com soldas mais fracas, recursos de segurança pobres e materiais inferiores em relação aos modelos europeus e norte-americanos", diz a matéria.
Segundo testes conduzidos por especialistas do setor automotivo, quatro dos cinco carros mais vendidos do mercado brasileiro foram reprovados em testes de segurança e colisão, recebendo apenas uma estrela nos testes - o máximo é cinco.
Esta mistura de carros inseguros com as condições pouco salubres de muitas estradas no país resultou em uma média de mortalidade do trânsito brasileiro que é quatro vezes maior que a dos Estados Unidos, com um crescimento de 72% na última década.
E isso que o Brasil possui uma frota quatro vezes menor, com cerca de 65 milhões de veículos, contra aproximadamente 250 milhões dos ianques.
Segundo os fabricantes nacionais, os carros atendem à leis de segurança. No entanto, em comparação com outros países, os requisitos de segurança no Brasil são bastante baixos.
Para completar, o governo nacional não conta com laboratórios especializados para fazer a fiscalização. Não existem nem laboratórios independentes.
O consumidor também tem sua parcela de culpa, segundo afirma Maria Ines Dolci, coordenadora do grupo de defesa do consumidor Proteste.
"Os fabricantes fazem isso porque os carros são mais baratos para produzir e a demanda dos consumidores por segurança é menor", dispara.
Mas carros produzidos de forma barata não querem dizer carros mais baratos. Segundo a consultoria IHS Automotive, o mercado brasileiro é altamente lucrativo para indústria automotora. A margem de lucro no país é de 10%. Lá fora fica entre 3% e 5%.
O tal do "custo Brasil" também afeta a fabricação.. Segundo o professor da USP Marcilio Alves, reduzir o número de soldas em partes do veículo é uma forma de reduzir despesas, o que também pode afetar diretamente na performance do veículo.
"A eletricidade para fabricar um carro é 20% do custo da estrutura", destaca.
Nos EUA o custo do megawatt-hora (MWh) é de 125 reais; na China, 142 reais; na Coreia, 171 reais; na Alemanha, 213 reais; e no Brasil 329 reais, segundo números da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro.
Neste cenário, a energia elétrica necessária para usar exatamente os mesmos pontos de solda de uma estrutura fabricada na Alemanha custaria 55% mais cara no Brasil.
COMPARANDO
Comparando veículos fabricados no Brasil com suas versões no exterior, os testes apontam diferenças importantes.
Um grupo independente chamado Latin New Car Assessment Programa realizou testes com alguns dos modelos mais populares do país, e encontrou resultados preocupantes.
Por exemplo, o Ford Ka versão hatch obteve quatro estrelas na versão europeia. O Ka brasileiro ficou com apenas. A Ford respondeu que o modelo atualmente produzido no país está ultraado em relação ao europeu, e que deve ser atualizado até 2015.
O Novo Uno, campeão de vendas da Fiat com aproximadamente 256 mil unidades comercializadas nos últimos doze meses, recebeu uma estrela por sua carroceria "extremamente instável", segundo o resultado do teste. Imagens do crash test mostraram que a frente do veículo "dobrou feito um acordeon".
O Chevrolet Corsa, que teve 137 mil unidades vendidas em 2012, também foi reprovado com apenas uma estrela. O impacto da batida arrancou as portas do veículo e inverteu o teto do caroneiro como um V para dentro do carro.
O melhor foi a resposta da GM, que apenas destacou que os carros produzidos no país são "legais".
Quem se saiu melhor nos testes foi a Volkswagen, que recebeu três estrelas em dois - Bora e Polo - de seus três modelos testados. A versão mais econômica - e mais vendida - do Gol, sem airbags, ficou com apenas uma estrela.
O melhor desempenho da empresa alemã tem mais a ver com medidas internas da própria fabricante, que estebeleceu padrões mundiais de segurança na constituição de seus carros.
Segundo destaca a reportagem do NY Times, o governo brasileiro pretende implementar novas leis para airbags e sistemas de frenagem nos carros, com a premissa de aumentar a segurança.
Quando perguntado sobre os testes, que constataram grandes diferenças entre os carros brasileiros e estrangeiros, Alexandre Cordeiro, representante do governo no assunto de segurança automotiva, foi taxativo
"Precisamos evoluir e estamos trabalhando para isso", finalizou.