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Profissional simplesmente chutou a letra C nas respostas. Foto: Pexels.
Duas candidatas para a mesma vaga na área de TI. Uma é real, e se esforça em responder os longos questionários da plataforma digital de seleção. A outra é uma invenção e dá respostas aleatórias. Qual das duas a de fase? A invenção.
A história das duas candidatas é real e foi contada por Aline Camilo Sena, uma profissional de TI de São Paulo, em um post que colocou fogo no Linkedin, gerando uma crise de imagem e uma resposta rápida da Gupy, uma das HRtechs líderes no país.
A profissional afirma ter se candidatado para uma vaga na Porto Seguros, dedicando um "tempo considerável" a testes de redação, lógica e matemática, além de um outro focado em perfil psicológico.
"Sempre me questionei o quanto a automatização dos processos seletivos realmente beneficia as empresas e os candidatos", revela Sena, que, depois de terminar o sua avaliação, decidiu ela mesma testar o teste.
A profissional explica que pediu para a sua irmã criar um perfil semelhante ao seu e aplicar a mesma vaga.
Para a redação, Sena diz que incluiu um texto criado pelo site Lorem Ipsum, uma ferramenta que gera um textão em latim usado por designers para preencher espaço em projetos (mais sobre a fascinante história desse texto aqui).
Nos testes de lógica e matemática, a candidata fake marcou sempre a resposta C, e no teste de personalidade, o número 4. O procedimento está documentado com prints das telas ilustrando o post.
“Como um perfil que não preencheu nenhum teste corretamente foi considerado apto? Isso me fez questionar como aconteceu essa seleção? Será que alguém revisa algo? A inteligência artificial usada pela Gupy é tão falha!”, fulminou Sena.
Como costuma acontecer em conteúdo que viraliza na Internet, o post de Sena atingiu uma inquietação de muitos profissionais em busca de emprego, um processo que nas primeiras fases está sendo dominado por plataformas automatizadas como a Gupy.
A sensação de impotência frente ao processo e a insegurança sobre o sentido dele surgem repetidamente nos comentários do post.
“Eu sinceramente desisti dessas plataformas, se tem vagas de empresas que estão atrelados a esses sites, nem perco tempo, afinal me valorizo, quem está perdendo é a empresa, em não ter-me em seu quadro de colaboradores!”, aponta um comentário típico no post.
Fundada em 2015, a Gupy acaba de levantar R$ 500 milhões de fundos, divulga 20 mil vagas por mês para 1,5 mil empresas, incluindo grandes nomes como Ambev, Cielo, GPA, Vivo e Renner.
Sena é só um dos 22 milhões de usuários cadastrados (bom, dois, contando o perfil fake criado pela irmã).
De acordo com o seu perfil no Linkedin, Sena é uma profissional júnior. Ela fez um curso técnico de programação em 2015 e trabalha atualmente como engenheira de Quality Assurance em uma grande consultoria.
Com seu post, publicado três dias atrás, ela provavelmente criou a maior crise de imagem do Gupy na sua história. A publicação está prestes a chegar a 10 mil reações e 1,1 mil comentários.
Para seu crédito, o Gupy reagiu rápido e abertamente. Em um comentário feito no post nesta quarta-feira, 18, a diretora de Brand do Gupy, Carol Marques, falou de maneira bastante aberta sobre como a plataforma da empresa funciona (ou não funciona).
“Queria deixar claro para você que a nossa Inteligência Artificial não toma nenhuma decisão sozinha. Os pontos de movimentação que você comentou não são feitos pela Gupy. Toda e qualquer movimentação de uma pessoa candidata entre as etapas de um processo sempre é realizada por um humano, como foi no seu caso”, revelou Marques.
A diretora segue, dizendo que a IA do Gupy “não leva em conta para ordenar pessoas candidatas” os dados do teste de perfil comportamental, nem perguntas complementares ou respostas abertas. Esses dados servem todos como informação complementar para os avaliadores do cliente.
A essa altura, o leitor pode se questionar o que afinal a badalada IA do Gupy faz. De acordo com Marques, o software considera os testes de lógica e matemática.
Como é possível então ar de fase com respostas aleatórias, o velho sonho de qualquer estudante preguiçoso? Com sorte, explica Marques.
“Como o banco de questões possui muitas variações e questões do mesmo nível, mas com perguntas diferentes e posição aleatória das alternativas, é possível sim que as respostas certas se concentrem mais numa letra, como você relatou no modo que a sua irmã respondeu”, afirma a diretora.
Por fim, Marques aponta que esses testes são adicionados nos processos seletivos pelo RH dos clientes da Gupy (a “pessoa recrutadora”, no corporativês de 2022), “mais como um modo de avaliação complementar e não eliminatória - com o objetivo de entender os conhecimentos e habilidades pertinentes à vaga”.
A Gupy foi inclusive mais longe, do que simplesmente responder no post e replicando a resposta em diversas interações com outros profissionais na postagem.
Uma live está marcada para esta quinta-feira, 19, às 18h, visando esclarecer dúvidas sobre a polêmica. Vão comparecer a head de IA e um dos fundadores da empresa.
Os altos executivos da Gupy devem andar numa corda bamba na live. Isso porque a resposta dada pela empresa até agora confirma em pelo menos um dos casos a principal inquietação dos profissionais.
Quem lê a descrição do funcionamento da IA conclui que é muito bem possível que as respostas aos longos questionários não sejam lidas por ninguém no final das contas, e que o desempate entre dois currículos similares seja feito apenas por uma parte mínima do teste.
O problema de fundo, sobre o qual a Gupy tem uma influência debatível, é que a tecnologia de automação de RH estaria sendo usada para automatizar apenas uma parte do processo, deixando intacto ou até aumentando o esforço necessário pelo lado do candidato para se candidatar a uma vaga.
É um padrão que os usuários de outros serviços automatizados vão reconhecer. O mensageiro pode dizer que não tem culpa, as pessoas sempre ficam com raiva dele de qualquer forma.